Buenos Aires foi a primeira grande metrópole sul-americana, tendo ultrapassado já em 1940 a cifra de dois milhões e meio de habitantes (contra 1.800.000 do Rio de Janeiro e 1.326.000 de São Paulo, na mesma época), facto mais notável se levarmos em conta que a população argentina situou-se, no século XX, em algo como a de um quinto da do Brasil. Além disso, no século XIX (até a grande imigração do último quartel) a Argentina era um dos países menos povoados da América do Sul e o menos denso do ponto de vista populacional (o que continua sendo até hoje): no período da sua independência, a população mal atingia um milhão de habitantes; o Alto Peru (a atual Bolívia) possuía então 4 milhões.
As razões de seu espetacular crescimento já foram e continuam sendo estudadas pela história econômica: o valor das terras da pampa húmida em função da produção agropecuária para o mercado mundial. A década de 1880 combina os elementos do processo: econômica e militarmente, conclui a Campanha do Deserto, ou seja, a ocupação do atual território argentino; socialmente, é a eclosão da grande imigração; politicamente, Buenos Aires transforma-se na capital da República. A geração de 80 é considerada, até hoje, a única portadora de um projeto nacional e a efectiva forjadora da nacionalidade argentina.
A CIDADE CAPITAL
A capitalização de Buenos Aires é vista como sinónimo da transformação da Argentina em país e do seu ingresso no concerto da história universal.
O ritmo da história tem sido aquele da ascensão, colapso e ocasional renascer das cidades. Até recentemente as populações urbanas estiveram sujeitas às doenças e às mudanças no comércio e na tecnologia. Os reveses políticos favoreceram algumas cidades e penalizaram outras. O ritmo foi interrompido no mundo em desenvolvimento deste século, onde as populações urbanas estão quase sempre em crescimento. Iludido pelo brilho ofuscante das luzes, ou expulso do campo pelos problemas políticos, econômicos, pressões populacionais e crises ecológicas, milhares de milhões e seres humanos migraram às cidades.
Buenos Aires foi fundada pela primeira vez em 1536, pelo adelantado Pedro de Mendoza, e pela segunda e definitiva vez em 1580, por Juan de Garay; isto é, a sua origem é um século e meio anterior à de São Paulo (fundada legalmente em 1711). Seu processo de explosão urbana é também anterior, mas menos distante no tempo.
Desde a sua origem colonial (como vice-reinado do Rio da Prata) e, segundo alguns, até o presente, a Argentina nunca perdeu, nos seus quatro séculos, sua característica de país agroexportador. No entanto - este é o grande paradoxo - ela foi sempre uma sociedade urbanizada.
A Argentina moderna, no entanto, aquela que resultou da ocupação do seu território atual, é um produto do século XIX, em especial do processo de imigração européia, que levou ao país milhões de trabalhadores europeus - 160.000 estrangeiros lá aportaram entre 1861 e 1870, e o número de imigrantes chegou a 841.000 de 1881 a 1890, e a 1.764.000 de 1901 a 1910. No total, de 1857 a 1930, o deserto argentino recebeu 6.330.000 imigrantes, o que, levando-se em conta o retorno dos trabalhadores sazonais (ou golondrinas), deixa um saldo de 3.385.000 imigrantes. A Argentina contava, logo no seu primeiro recenseamento em 1869, com 1.737.000 habitantes. Isso demonstra o peso da imigração na formação da Argentina moderna, através de uma transfusão de população que foi, em termos relativos, a mais intensa do Novo Mundo (incluindo os Estados Unidos).
Desde o início, a urbanização esteve marcada pela sua extrema concentração em Buenos Aires, que absorveu (e isso também é válido atualmente) um terço da sua população total (hoje pouco superior a 30 milhões de habitantes) em 40 municípios que cobrem uma área de cerca de 30 mil km2. Tanto por razões demográficas quanto por económicas, a questão da posição política de Buenos Aires dominou todo o período da chamada formação da nacionalidade, e foi o problema que esteve por trás de mais de meio século de guerras civis argentinas, ao longo do século XIX. Proclamada a Confederação Argentina em 1852 (a independência argentina ocorreu em 1810), ainda seria necessária uma década para superar a cisão política Buenos Aires-interior:
Logo depois da derrota de Buenos Aires na batalha de Cepeda em 1859, iniciou-se o processo que levaria à definitiva constituição do Estado nacional. O Pacto de San José de Flores, em novembro desse ano, significou o primeiro passo dado ao longo de um caminho que terminaria em 1880 com a federalização da cidade de Buenos Aires. As rendas da aduana portenha deixaram então de pertencer ao Estado provincial e passaram a engrossar os fundos nacionais.
A questão da capital definiu-se em 1880. Esse foi um período de acelerada expansão econômica na Argentina. O volume de investimento de capitais ultrapassou nesses anos o de todos os anos anteriores, especialmente quanto aos capitais britânicos. Os investimentos do Império Britânico em empresas de ações da Argentina, que antes da presidência de Roca chegavam à soma de 25 milhões de libras, aumentaram, em 1885, para 45 milhões, e em 1890 atingiam 150 milhões. Cabe destacar que em 1889 a Argentina absorveu entre 40 e 50% de todos os investimentos externos britânicos.